segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

E AGORA, ZÉ?






E AGORA, ZÉ


No fim da minha vida
fiquei só comigo mesmo
e comigo me desavim
Aprendi o pulo do gato
mas o gato está quase morto
e agora, Zé?

Quem não tem cão caça com gato
mas o gato está quase morto
mas não se chuta cachorro morto
digo e repito
e agora, Zé?

No meio do caminho tinha um buraco
quebrei a perna e a cabeça
Uma garrafa explodiu
me cortou o pulso mas sobrevivi
sem eira nem beira
e agora, Zé?

A máquina do mundo estava quebrada
não funcionava nem a pau
A poesia não era a solução
(não era nem um soluço pequeno)
e agora, Zé?

Por mais que subas nos mastros
por mais que procures os astros
sempre andarás de rastros
serás sempre o mesmo poetastro
e agora, Zé?

(Se não fosses um poetinha
fumando cachimbo
ou chupando pirulito
que graça que a vida tinha?
Mesmo longe do mar,
se console, Zé.)







sábado, 15 de dezembro de 2012

O ESPELHO DO POEMA





O ESPELHO DO POEMA


Os dias sucedem-se aos dias
e às noites, sobretudo às noites.
Tudo é rotina neste lugar
onde moro. Sou como Sísifo,

mas não me imaginem feliz.
Feliz é o cavalo de Napoleão
que ri sem nenhum motivo
ou apenas por ser o cavalo

de Napoleão. Imaginem Camus
feliz. Camus tinha todos
os motivos mais um para ser
feliz: não era professor nem

poeta. Escrever é uma sina
não de todo impune: a escrita,
se não salva quem escreve ou
quem lê, salva a si mesma.

Outro fim não tem a escrita,
sobretudo se o escrevinhador
olha no espelho chamado poema,
e a vê: salva conquanto destruída.








domingo, 9 de dezembro de 2012

O CANIVETE DE PODAR PARREIRA





                                  
                        O CANIVETE DE PODAR PARREIRA


O meu pai tinha um canivete de podar parreira.
O cabo era preto e a lâmina curva na ponta como uma foice.
A lâmina era manchada de fumo: o canivete
tinha outros usos além de podar parreira.

Eu era um menino muito pequeno ainda
e ficava fascinado com aquele canivete diferente.
Uma vez eu o peguei escondido e saí
dando golpes no ar a torto e direito.

Ainda tenho uma cicatriz no dorso da mão esquerda
feita pela ponta em forma de foice do meu canivete encantado.
Um pouco de mim ficou nesse canivete perdido nos desvãos do tempo.
Trago comigo apenas uma pequena cicatriz como lembrança.




                                    José C. Brandão







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